VIDA E OBRA DE SIMÃO
GONÇALVES TOCO
Tocoísmo é o nome dado aos seguidores do profeta angolano Simão
Gonçalves Toco (1918-1984). Actualmente, estão constituídos eclesiasticamente
sob a denominação “Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo”. Trata-se de
um dos maiores movimentos cristãos em Angola, contando
igualmente com sedes em vários outros países africanos e europeus. Tem a sua
catedral no bairro do Golfe, no sudeste de Luanda, Angola. A
sua sede espiritual é em Sadi-Zulumongo (NTaia), local de nascimento do
profeta.
Simão Gonçalves Toco
nasceu em 1918 na localidade de Sadi-Zulumongo (Ntaia, Maquela Do Zombo,
província do Uíge,
Angola), tendo recebido o nome kikongo de Mayamona. Após frequentar o ensino
primário na missão baptista de Kibokolo, concluiu os estudos liceais no Liceu
Salvador Correia em
Luanda. Por esta altura, terá conhecido um acontecimento
milagroso que terá despoletado a sua missão religiosa: o encontro com Deus em
Catete (Abril de 1935). Depois, regressará ao Uíge para trabalhar nas missões
baptistas de Kibokolo e Bembe. Em 1942, decide partir para Leopoldville (Congo
Belga) para colaborar com a missão local e dirigir um coro musical com cantores zombos,
oriundos da mesma região que ele (Maquela do Zombo). A este coro dará o título
de Coro de Kibokolo.
Em 1946, graças ao trabalho que
lhe fora reconhecido no âmbito da missão baptista e do coro, foi convidado,
junto com outros dois “indígenas” (Gaspar de Almeida e Jessé Chipenda Chiúla)
para intervir nos trabalhos da Conferência Missionária Internacional
Protestante, realizada de 15 a 21 de Julho de 1946, na localidade de Kaliná em
Leopoldville (actual cidade de Kinshasa,
capital daRepública Democrática do Congo). Nesse
momento, dirige uma prece onde pede para o Espírito Santo descer em África.
Tal prece é atendida a 25 de
Julho de 1949 quando, após um desentendimento com a Missão Baptista de
Leopoldville, decide convocar uma vigília de oração na sua residência (rua de
Mayenge, nº 159). Naquele momento, segundo contam os presentes, sentiram um
vento e começaram a tremer, realizando milagres invocando algumas passagens
bíblicas.
Este momento é assumido pelo tocoísmo como o momento em
que o Espírito Santo desceu em África e a igreja cristã foi “relembrada”, de
forma a retomar o caminho da igreja original do tempo dos Apóstolos. É portanto
a data fundacional do movimento tocoísta.
Após estes acontecimentos, Simão
Gonçalves Toco e muitos dos seus seguidores foram presos pelas autoridades
belgas, sob a acusação de alterar a ordem pública. Em Janeiro de 1950, são
deportados do Congo Belga e entregues, no posto fronteiriço de Nóqui (província
do Zaire), às autoridades portuguesas. Estas procuram dar por terminado o
movimento daquilo que consideravam ser uma “seita perigosa”,[3] dividindo o grupo em pequenos grupos
que serão dispersos, no âmbito da política de povoamento colonial vigente à
época,[4] em distintos colonatos e campos de
trabalho forçado por toda a colónia. O líder é enviado numa primeira instância
pelo Vale do Loge e, após passagens por Luanda, Caconda
e Jáu, é enviado para a Baía dos Tigres,
na província de Moçâmedes (hoje Namibe). Pouco tempo depois, é enviado para
trabalhar como assistente num farol em Ponta Albina , na mesma região.
Em 1961, quando tem início as
campanhas de libertação de Angola no norte do país, as autoridades portuguesas,
conhecedoras da capacidade de mobilização do profeta, ordenam a sua ida para o
Uíge e a região fronteiriça com o Congo para chamar as pessoas que tinham
fugido para as matas na sequência das acções militares. Simão Toco consegue
mobilizar milhares de conterrâneos, mas a desconfiança das autoridades
portuguesas relativamente às suas intenções faz com que se decidam por enviá-lo
para um segundo período de exílio. Desta
vez, é enviado para a ilha portuguesa de São Miguel, nos Açores, onde
trabalhará como assistente de faroleiro na localidade de Ginetes.
A sua permanência neste país
demorará 11 anos. No entanto, não esmorecerá o seguimento da sua missão. Ao
longo deste período, o dirigente intercambiará milhares de cartas com os seus
seguidores em Angola, com quem construirá um movimento de carácter nacional. Em
1974, na véspera da saída de Portugal do território angolano, Toco é finalmente
autorizado a regressar ao seu país, o que acontece a 31 de Agosto desse ano.
Recebido pelo então governador em transição, o Almirante Rosa Coutinho,
Simão Gonçalves Toco vê finalmente reconhecida a liberdade de expressão e de
culto do seu movimento.
Com o advir da independência,
antevendo as dificuldades de entendimento entre as três principais organizações
participantes no movimento de libertação de Angola (FNLA, MPLA, UNITA), Simão Toco decide
abrir uma campanha de conversações entre os seus líderes (Holden Roberto, Agostinho Neto, Jonas Savimbi)
para encontrar um caminho pacífico para o país. No entanto, esta iniciativa não
foi bem sucedida e Angola entra em guerra civil.
Em 1984, tem lugar o
desaparecimento físico de Simão Gonçalves Toco. No processo de sucessão, o
movimento conhece tempos difíceis, devido a desentendimentos entre vários
sectores da igreja e à ordem de encerramento da igreja efectuada pelo próprio
governo angolano em 1986, após um episódio de confronto entre crentes e as
forças policiais. Em 1992, quando
o governo angolano abre uma campanha de reconhecimento oficial de entidades
religiosas, são reconhecidas três “Igrejas Tocoistas” distintas: a “Direcção
Central (Cúpula)”, os “Doze Mais Velhos” e as 18 Tribos 16 Classes”. No
entanto, havia ainda outros grupos que se reclamavam como sendo os “verdadeiros
tocoistas”.
Mas ao mesmo tempo que se
verificam estes desentendimentos, ocorre também um processo de expansão da
igreja para fora de Angola, nomeadamente através das redes migratórias
angolanas, que conheceram um aumento significativo a partir da década de 1990.
Por esta altura, é inaugurada a primeira Igreja Tocoista em Lisboa, e pouco
tempo depois seguir-lhe-iam núcleos em Madrid, Paris, Londres, Roterdão, etc.
No ano 2000, assume a liderança
da Direcção Central Afonso Nunes, um jovem oriundo de Negage (Uíge) e que afirmava ter sido
visitado e revestido pelo espírito de Simão Gonçalves Toco. Nunes consegue
operar um movimento significativo de reunificação no seio do tocoismo, trazendo
vários dos sectores desavindos para a Direcção Central (entretanto rebaptizada
Direcção Universal). Também lidera uma transformação dramática no seio da
igreja, construindo uma catedral no bairro do Golfe em Luanda (ver imagem),
proclamando a vocação universal da igreja e trazendo para a mesma muita
juventude angolana, nomeadamente através da promoção (em curso ou completados)
de projectos de acção social e educativa (escolas, Universidade Tocoista, Rádio
Tocoista, Fundo Social, etc.) e intervenções humanitárias no âmbito de
desastres naturais ou de outra ordem.