Em regiões da RD Congo e Angola, numerosas crianças são agora acusadas de bruxaria e sofrem abusos e abandono. Defensores dos direitos das crianças estimam que milhares de crianças tenham sido acusadas de feitiçaria e vivam nas ruas de Kinshasa, depois de terem sido expulsas das suas casas e abandonadas pelas famílias, uma decisão muitas vezes motivada pelo facto de assim se tornar desnecessário continuar a alimentá-las ou cuidar delas. Em Angola, o fenómeno das crianças feiticeiras verifica-se entre o grupo étnico Bakongo, havendo centenas de casos reportados, principalmente nas províncias no Norte do país, Uíge e Zaire, bem como nos bairros da capital, Luanda.
Comparando o fenómeno, observa-se a mesma configuração de crise social, emergência de igrejas pentecostais e rearticulação de parentesco. A acusação de feitiçaria a crianças é mais uma das novas formas de exclusão e violência sobre a infância, como a pedofilia, abusos sexuais, tráfico de órgãos e crianças-soldados.
Para a antropóloga social brasileira Luena Pereira, da Unicamp, universidade estadual de Campinas, as acusações de feitiçaria a crianças aparecem como resultado da desestruturação familiar ocasionada pela guerra, no caso de Angola, e pela alta instabilidade política e crise económica e social na RD Congo. «As crianças são acusadas pelos seus próprios parentes ou vizinhos de manipularem forças advindas do mundo nocturno, ocasionando infortúnios como doenças, mortes, abortos e fracasso económico dos membros da família.»
Por sua vez, o antropólogo belga Filip De Boeck, da Kuleuven, universidade católica de Lovaina, destaca a «alteração da balança de poder entre gerações a partir da participação de crianças na economia informal e na exploração de diamantes» como factores importantes para a emergência das acusações.
Manipulação adulta
As crianças situam-se, na maior parte das vezes, na faixa etária entre 8 e os 13 anos, não sendo incomum a acusação a crianças muito pequenas, inclusive bebés. Comportamentos considerados desviantes de crianças e adolescentes, como agressividade, indolência, inquietude e dispersão podem justificar a acusação. Sintomas como fome excessiva, enurese nocturna (chichi na cama), sono agitado ou excessivo e doenças como epilepsia e sonambulismo também são associados a crianças feiticeiras.
A grande maioria das crianças acusadas é órfã de um dos pais ou ambos, ou filhos de pais separados, sendo acolhidas por parentes como tios ou avós, ou vivem com padrastos ou madrastas que muito frequentemente são os responsáveis pelas acusações.
Relatórios de ONG de protecção às crianças sugerem que as acusações de feitiçaria se relacionam com a tensão que sobrecarrega famílias extensas obrigadas a acolher crianças que, pela guerra, deslocamentos, migrações ou pela emergência do HIV-sida, perderam os seus parentes directos.
No passado, não se supunha que crianças pudessem ter o poder de manipular tais forças, faltando-lhes real intenção ou discernimento para voluntariamente fazer mal a outrem. Entretanto, os jovens passaram a ser utilizados por pessoas mais velhas como intermediários para fazer o mal. A presumida inocência ou irresponsabilidade dos menores permite esta manipulação.
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